Réccua Douro UT - Lavaredo Ultra Trail

Ao longo dos últimos meses o Réccua Douro Ultra Trail esteve presente em vários eventos nacionais e internacionais, nomeadamente:

Lavaredo Ultra Trail
Madeira Island Ultra Trail
Trilhos do Paleozóico
Trilhos dos Abutres
Troféu Centro Vicentino da Serra
 
O Lavaredo Ultra Trail foi o ultimo e que podem ler o relato na primeira pessoa por por João Marinho 

Intensidade

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Fernando Pessoa  

Uma única palavra descreve o que vivi durante o dia de ontem - Intenso. 

O Trail é um desporto que cada vez mais me deslumbra e porquê? Porque nos permite viver emoções únicas na montanha, que nos leva onde nenhum outro desporto de competição consegue, que nos permite superar as nossas capacidades físicas e psicológicas, muito além do que julgávamos ser capazes. 

O Lavaredo Ultra Trail (LUT) é mágico. O percurso percorre o Parque Nacional das Dolomitas, património da Humanidade nos Alpes Italianos. As Dolomitas são montanhas gigantes de pedra com milhares de metros de altura, uma verdadeira obra prima da mãe Natureza.
Uma prova com 52 nacionalidades representadas, vindas dos 5 continentes.

A saída do centro de Cortina às 23h arrepiou. Aquelas centenas de atletas com olhares de introspecção imaginando certamente o que iriam viver ao longo dos próximos 120km e quase 12 000m de desnível acumulado. Depressa estamos entregues às montanhas. Depressa também os únicos ruídos que se ouvem são o bater das sapatilhas e o nosso coração a bater. 









Do alto das montanhas conseguimos ver a fila de luzes dos atletas que fazem o percurso. É algo ímpar.

O meu objectivo central era terminar a prova levasse o tempo que fosse preciso tendo em conta as vicissitudes prévias a esta prova e que descrevi na antevisão. Dois meses após o MIUT e apesar de não me encontrar na forma física que eu desejava, tinha de completar mais este desafio.

Mas caramba João, porquê é que arrancaste feito louco? pensando que estavas treinado para este percurso e que as costas e os músculos iriam permitir-te ritmos elevados? hein? Responde João...

Até ao Km 30 o meu ritmo foi demasiado elevado. Demolidor para as pernas e para as costas. Senti isso mesmo, mas não queria pensar, estava a viver o momento e que momentos. 
Mas depois comecei a abrandar, não tive outro remédio e era se queria acabar a prova. A estratégia era esperar que o dia nascesse e esperar que organismo de certa forma 'renascesse'. 
Desliguei o chip da competição e liguei o da curtição. Contemplar a paisagem, conversar com outros atletas, registar a paisagem e focar no objectivo - terminar! e ainda faltavam 90Km...Alguns provavelmente não compreendem esta decisão ainda por cima de alguém que luta pela melhor classificação possível. Aquilo que vos digo é se aceitam desafios, temos de os encarar até ao fim. Pode doer (e doeu), pode ser ter consequências na recuperação (mais demorada), pode provocar lesões (espero que não), mas eu não consigo viver com o pensamento que desistir de algo, que deixei algo a meio. Ou é até ao fim ou então não vale a pena sequer começar.

O dia nasceu na subida para o Refugio de Lavaredo  ao Km 48. A imponente e destrutiva subida exigiu muito dos atletas, mas à medida que ganhávamos altitude, a paisagem ficava cada vez mais impressionante. As montanhas perdiam-se de vista. 

No Refugio encontrei a Manuela Vilaseca, amiga Brasileira que conheci na TransPortugal 2007 e que agora está no top mundial do Trail. Que bom voltar a ver você Manu! 

Parei bastante neste refugio, destaco a quantidade de comida que aqui havia. Destaco também a sopa à base de massa que me ressuscitou...e a Nutella! Quando saí para voltar a correr sinto a falta dos bastões, voltei para trás e tinha chegado o Pedro Gonçalves. Daí para a frente fizemos a prova quase sempre juntos. O Pedro tem apenas no currículo provas como o UTMB, MDS, Ronda, Zegama, etc. e está a preparar-se para o Tour du Geant em Setembro. Um companheiro experiente nestas andanças.








Os 'Tre Cime di Lavaredo' são ícones da região o percurso circundava estas três megalíticas montanhas. O que os nossos olhos contemplavam não vos consigo transmitir em palavras. Que visual...
Uma palavra de agradecimento aos voluntários que abriram\escavaram o trilho que nos permitiu passar neste local. 
Seguiu-se uma interminável descida técnica que foi dar a uma parte que já conhecia do Mundial de Maratonas em 2008. Como foi bom lá ter passado de bike na altura. Era um falso plano com rectas também elas intermináveis que a correr fizeram-nos penar e muito. 
Por uns breves kms separei-me do Pedro, mas cheguei depressa à conclusão que juntos éramos mais forte. Sentei-me ao lado do trilho e esperei por ele. Enquanto isso, dormi um pouco. Estava sol, uma erva maravilhosa a servir de cama e uma montanha mesmo virada para mim. Mal fechava os olhos, adormecia, coisa que demorava 2 segundos, e começava logo a sonhar. Nas ultimas duas semanas foram muitas as noites mal dormidas, algumas sem dormir mesmo e o corpo ressentiu-se...




Acordei com o Pedro e seguimos os dois juntos. Ele não estava bem do estômago, por isso foi muito importante para ambos estarmos juntos. Agradeço-te Pedro, toda a ajuda ao longo desta aventura. Sem a tua companhia seria muito mais difícil chegar ao fim. Muito nos rimos e muito nos vamos rir com o que vivemos.

Ao longo de todo o trilho havia algo para contemplar. Eu o Pedro já fizemos o percurso do Ultra Trail of Mont Blanc e partilhamos a mesma opinião, o LUT é mais bonito e mais ''agressivo''. Então entre o Km 75 e 90 onde estava a principal subida do LUT o trilho que presenciamos era verdadeiramente arrepiante. Um trilho ao longo de uma vale com rios alimentados pela a neve que derretia nas montanhas e que formava cascatas, onde nos fez sentir a nossa dimensão perante a natureza. Somo muito pequenos. A nossa cabeça tinha de inclinar-se completamente para o céu para ver o cume da montanha de pedra.














Este trilho tinha algumas passagens por cursos de água. Assistimos a algo engraçado. Atletas a tirar as sapatilhas e as meias para passar...se fizeram isto até ao final foi uma rotina muito repetitiva...

Quando passamos os 2000m de altitude o Pedro ressentiu-se, então foi a vez de ele parar e dormir um pouco. Em poucos segundos estava a dormir...a táctica era colocar o temporizador para despertar passados uns minutos não fossemos nós ficar ali a dormir até ''tarde''.

Os últimos 30Km dariam para fazer uma prova com 2 500m de desnível positivo e com trilhos bastante exigentes. Agora imaginem fazer isto já com 90Km nas pernas...Foi muita dureza concentrada nesta parte que exigiu de nós o que ainda tínhamos e não tínhamos para chegar a Cortina.

Ao fim de 22h vejo a Torre da Igreja de Cortina do topo da montanha. Estava ali a meta. Estava ali o fim da aventura LUT. O mapa de altimetria impresso no frontal pegou-nos muitas surpresas. Tivemos até pequenas discussões se já tínhamos passado alguns dos picos que teimavam a preencher o percurso. Mesmo na ''descida'' para Cortina eles marcaram presença.






Depois de quase 24h e 120Km de ''corrida'', de uma enorme aventura e experiência vivida com muita resiliência, perseverança, tenacidade e superação regressamos a Cortina. As ultimas centenas de metros dentro da cidade, já com o pórtico de meta à vista, com os aplausos de que quem assistir, agarrados à bandeira nacional emocionou-nos e ficarão retidos para sempre na memória.

A minha época de Trail Run 2014 está assim praticamente encerrada (penso eu), volto agora novamente ao MTB. Em seis meses foram quatro ultra-maratonas, duas delas com três dígitos (mais de 100km). Termino a época em Cortina d'Ampezzo. Foi o culminar de algo que há um ano atrás nem sequer sonhava. Dedicar-me ao Trail e fazer provas com esta dimensão...Agradeço ao meu irmão por tudo o que tem feito por mim.

Agradeço à TMG - Hélder Monteiro, a todo o staff que me tratou para estar presente no LUT. As costas estão impecáveis e prontas para treinar para o Ironbike. Agradeço também ao Edmundo Ribeiro e ao Dr. Eduardo Filipe pelo que fizeram por mim em tão pouco tempo. Tiago, (Aragão), lamento não ter cumprido o plano de treinos, mas daqui em diante será ''certinho'' :)

Os vencedores da prova foram dois americanos. O inconfundível Anton Kruprika e a Rory Bosio. Eles não correram, mas voaram nestes trilhos fazendo uma média de 10km\h!
Agradeço aos companheiros de aventura, os que viajaram de Portugal, os que conheci nos trilhos e todos aqueles que abrilhantaram estes dias.

Felicito todos os Portugueses que se desafiaram nesta dura prova e que cumpriram com os seus objectivos. É daquelas provas que todos nós Trail Runners (desportivas de aventura em geral) devemos fazer uma vez na vida. Mas não se esqueçam de se preparar ou então a montanha cobra.
Um abraço a todos os companheiros da Desnível Positivo que competiram diversas frentes - Maratona do Mont Blanc, Grand Trail de Peñalara e no Trail de Camiños do Trega na Galiza.
Por ultimo, um palavra de força para o Fredrico Esteves e para o André Amorim que à ultima da hora ficaram arredados da competição. 






Mais fotos na minha página de atleta no Facebook:
www.facebook.com/marinhojoao

Antevisão da prova: 
http://www.joaomarinho.com/2014/06/de-volta-competicao-lavaredo-ultra-trail.html?showComment=1403885265259#c1221187536656653411